Uma análise histórica inspirada por Ray Dalio
Ao longo da história, grandes transformações econômicas e políticas não acontecem por acaso. Elas seguem padrões. E Ray Dalio, fundador da Bridgewater Associates, tem se dedicado a estudar esses ciclos de longo prazo para alertar sobre o que está por vir. Segundo ele, estamos diante do colapso da ordem monetária global tal como conhecemos e a história oferece pistas valiosas sobre por que e como isso acontece.
O nascimento de uma ordem: Bretton Woods (1944)
Após o caos da Segunda Guerra Mundial, 44 países se reuniram em Bretton Woods, nos Estados Unidos, para criar um novo sistema monetário internacional. O resultado foi um acordo que estabelecia o dólar como moeda de referência global, lastreado em ouro (1 onça = US$ 35), enquanto as outras moedas mantinham taxas de câmbio fixas em relação ao dólar.
Esse arranjo visava estabilidade e reconstrução. E funcionou, por um tempo.
A reconstrução e os desequilíbrios estruturais
Com o Plano Marshall (1948), os EUA investiram bilhões para reconstruir a Europa Ocidental e o Japão, criando as condições para que economias como a Alemanha e o Japão se tornassem potências industriais exportadoras. Esses países passaram a acumular grandes superávits comerciais, recebendo dólares em troca de seus produtos.
Para evitar que suas moedas se valorizassem demais (o que prejudicaria suas exportações), seus bancos centrais compravam os dólares excedentes e os aplicavam em títulos do Tesouro americano. Assim, os EUA conseguiam financiar seus déficits — em um ciclo de dependência mútua: países exportadores vendiam para os EUA e, com os dólares obtidos, financiavam os próprios consumidores americanos.
O início da ruptura: excesso de dívida e perda de confiança
Na década de 1960, os EUA começaram a expandir seus gastos com programas sociais e com a Guerra do Vietnã. O país passou a emitir mais dólares do que tinha ouro para garantir a conversibilidade. Países como França, Alemanha e Japão começaram a pedir a conversão dos dólares em ouro, desconfiando da sustentabilidade do sistema.
Foi quando, em 15 de agosto de 1971, o presidente Richard Nixon anunciou o fim da conversibilidade do dólar em ouro — o chamado “Nixon Shock”. O sistema de Bretton Woods ruía oficialmente, marcando o início do regime de moedas fiduciárias com câmbio flutuante.
A década perdida: inflação, estagflação e juros explosivos
O rompimento com o ouro desencadeou um período de alta inflação e estagflação (inflação elevada combinada com crescimento estagnado), intensificada pelos choques do petróleo nos anos 1970.
Para conter esse cenário, o presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, subiu os juros para níveis superiores a 20% no início dos anos 1980. Isso deu início à era moderna da política monetária baseada na gestão de expectativas e controle da inflação — mas também pavimentou o caminho para o endividamento massivo do setor público e privado.
🌐 Um novo ciclo: EUA e China
A partir dos anos 2000, um novo modelo emergiu: a China, agora integrada à economia global e membro da OMC (desde 2001), assumiu o papel que antes foi do Japão e da Alemanha. Exportava em larga escala para os EUA, acumulava superávits e reciclava esses dólares na compra de Treasuries americanos.
Mais uma vez, formou-se um ciclo de codependência econômica:
- Os EUA consomem e se endividam.
- A China exporta e financia esse consumo, sustentando seu próprio crescimento interno.
- Esse arranjo sustentou a ordem global por cerca de duas décadas. Mas, como Dalio aponta, esse tipo de desequilíbrio tende a se desfazer — e nunca de maneira suave.
⚠️ A nova ruptura: desglobalização, desconfiança e autossuficiência
Nos últimos anos, a confiança entre as potências econômicas se deteriorou. Os EUA passaram a enxergar a dependência da China como ameaça estratégica (principalmente após a pandemia), enquanto a China teme não receber de volta os recursos emprestados.
Surge um ambiente de desglobalização e busca por autossuficiência:
- Os EUA querem reindustrializar e proteger cadeias críticas (como semicondutores).
- A China fortalece seu consumo interno e reduz exposição ao sistema financeiro americano.
- Ambos desaceleram o comércio global e intensificam conflitos tecnológicos e financeiros.
Ray Dalio resume essa situação com clareza: “É insustentável ter grandes desequilíbrios comerciais e de capital em um mundo onde os grandes players não confiam uns nos outros.”
A história ensina — se quisermos aprender
Dalio costuma dizer que a história não se repete, mas rima. Os ciclos de dívida excessiva, desequilíbrio estrutural e conflito entre potências são constantes nos últimos 500 anos. E em todos os casos, sem exceção, a ordem antiga teve que ser reestruturada — voluntariamente ou por ruptura.